Convenção de Faro sobre o Valor do Património Cultural para a Sociedade: Vinte anos, mas poucos resultados

27-10-2025

Cumpre-se hoje, 27 de outubro de 2025, o 20.º aniversário da assinatura da Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre o Valor do Património Cultural para a Sociedade. Assinada em Faro em 2005, esta convenção foi ratificada por Portugal em 28 de agosto de 2009 e entrou em vigor em 1 de junho de 2011, logo que foi ratificada pelos primeiros dez estados.

É certo que, em linha com a Convenção de Faro, a Constituição Portuguesa já consagra a responsabilidade coletiva e individual perante o património cultural, princípio que a Lei de bases do património retoma e desenvolve. No entanto, um outro princípio da Convenção, o do uso sustentável do património cultural, não figura explicitamente nem na primeira, nem na segunda.

Na Convenção de Faro, o princípio do uso sustentável do património tem três corolários fundamentais: i - O reconhecimento da especificidade do património cultural e da necessidade da sua conservação, quer na regulamentação, quer na definição das políticas económicas; ii - A promoção de uma elevada qualidade das intervenções através da exigência de qualificação de profissionais, empresas e instituições; iii - A garantia de que as políticas económicas respeitam a integridade do património cultural e não o desvalorizam. Este princípio tem sido ignorado vezes demais, no frenesi turístico-imobiliário da última década.

Na altura em que a convenção de Faro entrava em vigor, já a SRU "Porto Vivo" tinha em curso as obras do Quarteirão das Cardosas, uma operação imobiliária em grande escala que marginalizou a população residente e envolveu demolições maciças, em pleno Centro Histórico do Porto, classificado pela UNESCO como Património da Humanidade.

Ao empreendimento das Cardosas, fruto da mesma visão economicista e de curto prazo, outros se seguiram, a várias escalas, que igualmente desrespeitaram o princípio do uso sustentável do património. Tal aconteceu, por exemplo, na Gandarinha (Sintra), na Casa do Alcaide-Mor (Estremoz), na Sé Patriarcal (Lisboa), e no Paço do Curutêlo (Ponte de Lima). Em todos estes casos, o Turismo, o Imobiliário e a fiel parceira Construção, lucraram, mas o Património Cultural perdeu, ferido na sua integridade e autenticidade por demolições excessivas e alterações irreversíveis. As cúpulas daqueles três setores, ou seja, a Confederação do Turismo Português, e a Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário, formaram, entretanto, uma poderosa aliança, que se bate sem descanso contra tudo o que lhes pareça mais burocracia. Sem olhar à cor política do momento, rejeita, nomeadamente, a especificidade das intervenções no património cultural construído e os inerentes requisitos adicionais de qualificação de profissionais e empresas. Tiro-lhes o chapéu, porque têm conseguido "bons resultados"; se não, vejamos: No regime dos alvarás, apenas é exigida "capacidade técnica" às empresas que se dedicam às obras públicas. As que se dedicam às obras particulares, mesmo que envolvam o património, estão dispensadas; Apesar de existir, há cinco anos, uma lei que considera a preservação e a conservação do património histórico e artístico nacional razões suficientes para exigir qualificações profissionais complementares, continuam a não existir especializações em património para arquitetos e engenheiros; A lista das profissões regulamentadas, que abrange todos os níveis de qualificação desde os arquitetos até aos operários, tem 248 profissões, entre elas o Enólogo, o Ajudante de cozinheiro, o Condutor de transporte de animais, mas nenhuma que diga respeito ao património! O Catálogo Nacional de Qualificações, que abrange os quadros intermédios e os operários, inclui 392 qualificações, mas o património apenas está representado em duas, aliás, irrelevantes para a qualidade das intervenções neste domínio.

Infelizmente, de pouco servirá transcrever para a legislação portuguesa os requisitos do uso sustentável do património cultural da convenção de Faro, enquanto o lóbi do Turismo, Imobiliário e Construção se movimentar à vontade nos corredores do Poder, e este lhe der ouvidos. (Jornal "Público" de hoje)