Sé de Lisboa: Um "sarcófago" de betão para o património arqueológico

16-06-2022

O movimento cívico de defesa da preservação e correcta musealização das ruínas arqueológicas conservadas no Claustro da Sé de Lisboa decorre desde o final de Setembro de 2020. Estão em causa: o monumental edifício islâmico integrável no complexo da mesquita aljama de al-Ushbuna; as canalizações e outras estruturas, igualmente monumentais, de época romana e o Claustro dionisino, no âmbito do projecto "Projecto de Recuperação e Valorização da Sé Patriarcal de Lisboa - 2ª Fase - Instalação do Núcleo Arqueológico e Recuperação do Claustro da Sé de Lisboa". Entre Setembro de 2020 e Abril de 2021, associações, arqueólogos, historiadores, académicos, a Assembleia da República e os partidos políticos tomaram posição no espaço público, defendendo este Património, com ampla cobertura mediática, nas redes sociais e em reuniões científicas e de defesa do Património.

Após o abandono da 1.ª revisão do projecto, imposto pela então Ministra da Cultura, no final de Novembro de 2021, a DGPC apresentou a 2.ª revisão do projecto e anunciou o reinício da obra e das escavações. Em Janeiro de 2022 decorreu a Mesa Redonda "As obras do claustro da Sé: Património e Projecto", cujas conclusões de contestação da nova versão do projecto foram amplamente divulgadas.

Entretanto, o novo Governo tomou finalmente posse, e foram pedidas audiências ao novo Ministro, pela AAP e pelo "grupo" da Faculdade de Letras que organizou a referida mesa redonda. A nova Secretária de Estado da Cultura, Isabel Cordeiro, assumiu o controlo político do caso, e como destacada e reconhecida profissional do Património Cultural, terá percebido rapidamente, os graves problemas do projecto e do processo. Sob sua intervenção, foi finalmente possível consultar o projecto (em 17 de Maio, pela AAP).

No dia 20, reuniram a Secretária de Estado da Cultura e membros do seu gabinete, o Director-Geral do Património Cultural e a Directora do Departamento de Bens Culturais, a Direcção da AAP e o "grupo" da Faculdade de Letras. Aí, foi abordada a errada orientação geral do projecto e as suas duas revisões que se revelaram actos falhados e discutidas ao pormenor, todas as afectações patrimoniais. A 2.ª revisão do projecto continua a prever fortíssimas destruições no edifício islâmico, nas estruturas romanas, no Claustro dionisino e sua cisterna. A DGPC e a Secretária de Estado declararam ser impossível rever novamente o projecto. O piso -1 sob o Claustro Sul tinha de ser construído e a cisterna dionisina afectada; mas foi garantido que seriam encontradas soluções para evitar as destruições que pendem sobre o edifício islâmico.

Contudo, no campo, após a retoma das escavações em Março, a arqueóloga é permanentemente pressionada pela DGPC para desmontar estruturas arqueológicas, alegando imperativos de estabilidade e segurança. Ninguém acredita na inexistência de soluções estruturais que garantam a estabilidade de todo o conjunto monumental e, simultaneamente, a preservação de todas as fantásticas estruturas arqueológicas ali exumadas.

Assim, apesar dos compromissos assumidos pelas entidades responsáveis, teme-se que a salvaguarda das estruturas arqueológicas não esteja garantida. Continuará a ser construído um piso em betão sob o Claustro, rente ao edifício monumental islâmico, que assim não poderá ser visto, contemplado e entendido, nem hoje, nem no longo futuro. É imperativa a revisão do projecto, anulando de vez o piso subterrâneo, garantindo estabilidade, preservação e total visibilidade de todo o conjunto patrimonial e arqueológico da Sé Catedral de Lisboa, Monumento Nacional, que nos proporciona uma leitura fantástica da cidade milenar e daquele lugar central e sagrado, na cidade milenar. Se vemos, ouvimos e lemos, não poderemos ignorar. Devemos falar, escrever e manifestar junto de quem decide, pelos meios que cada um escolher, a recusa em perder e não poder contemplar esta maravilhosa dádiva que o passado nos legou.

Texto de Jacinta Bugalhão, arqueóloga e cidadã


Muralha sul do Claustro, dionisina, preparada para ser revestida com betão armado. 

Estruturas já afectadas e/ou em risco: Estruturas islâmicas, complexo da mesquita aljama de Lisboa. De notar, as perfurações de estacas tubulares de aço com injeção em profundidade de calda de cimento. De notar também, do lado esquerdo, as demolições de estruturas antigas para execução do maciço de fundação em betão armado.

Estruturas já afectadas e/ou em risco: Estruturas islâmicas, complexo da mesquita aljama de Lisboa. De notar, as perfurações de estacas tubulares de aço com injeção em profundidade de calda de cimento.

Mais fotos de estruturas já afetadas e/ou em risco:

Estruturas islâmicas, complexo da mesquita aljama de Lisboa.

Cisterna Dionisina